Nunca pensei que, vinte anos depois, esta molécula assumiria um lugar de destaque... na capa da revista Exame* (desta semana)! A manchete diz “Seu DNA vale bilhões – A genética começa a se transformar em produto de consumo. Por que empresas de alimentos, saúde, medicamentos e financeiras já não podem ignorá-lo”. Na chamada colocada na revista Veja, completam: “Veja como a evolução da genética cria e transforma negócios bilionários”.
DNA e negócios?!? Fiquei surpresa em perceber a apropriação de um “dado científico biológico” pelo mundo financeiro... Fui então, ao site da revista, onde há um vídeo explicativo sobre uma pesquisa em curso, na qual o DNA está sendo utilizado em prol dos negócios ($$$!): “Empresas mapeiam genes dos consumidores para criar produtos – a genética a serviço dos negócios”.
A pesquisa, patrocinada pela multinacional suíça Nestlé, está sendo realizada aqui no Brasil, no Hospital Sírio e Libanês. Segundo o vídeo, o Brasil foi escolhido por sua “variabilidade étnica e genética”, em uma tentativa de relacionar a variação gênica dos indivíduos ao limiar de percepção dos diferentes sabores – azedo, amargo, doce, salgado. Com isso, as empresas poderiam segmentar o mercado consumidor de acordo com um novo parâmetro, além dos costumeiros poder de compra e hábitos culturais – seria pelo perfil genético! E, portanto, produzir produtos específicos e direcionados para atender (ou agradar!) os consumidores de diferentes paladares, ou seja, alavancar os negócios e aumentar os lucros!
Não pude deixar de pensar no filme Gattaca**. Lembro que, quando o assisti pela primeira vez, fiquei bastante impressionada e também, preocupada com o futuro que teríamos pela frente, caso tudo aquilo se concretizasse. E parece que este futuro já chegou! Não é possível prever os usos que ainda serão feitos do DNA, mas espero que sempre haja ética em todos eles. Gostaria que ficássemos atentos a estes usos (e abusos?) para evitar rótulos e segmentações, dividindo indivíduos em categorias. Eu, como geneticista, sempre acreditei no poder da surpresa, de algo que escapa, foge ao controle, como acontece em Gattaca. Sempre pode haver uma saída não prevista, não “mapeável”!
Ou seja, precisamos estar cientes dos procedimentos utilizados, questionar suas condutas, suas regras. Caso não consigamos analisar a demanda, poderemos estar apenas mantendo o modo de produção vigente. No caso da associação extrema entre os genes e o modo de ser e viver de cada um, precisamos também, nos manter alertas ao risco de associar tão estritamente o DNA ao mundo dos negócios, para não incorrer no erro da segregação genética, tão danosa quanto qualquer outra! Nós, os “especialistas”, estaremos falando e decidindo sobre a vida das pessoas, produzindo subjetividades, onde quer que estejamos. É bom lembrar que a tecnologia produz efeitos, sentidos. Não podemos permitir que o estranhamento se desvaneça, seja tragado pelo tempo e pelo espaço, dilacerado por nossas práticas. Quaisquer que sejam elas.
*Revista Exame – Ano 42 no. 10 edição 919 – Editora Abril
**Gattaca (1997) de Andrew Niccol, com Ethan Hawke e Uma Thurman – Sinopse: um homem geneticamente inferior assume a identidade de um superior para conseguir realizar o seu sonho de viajar no espaço.
3 comentários:
Menina, quando vi a foto achei que você tinha errado... aí conforme fui lendo... fiquei boba!!! Que loucura!!! Esse pessoal não tem mais o que inventar...
Beijins
Realmente a Tânia tem razão, deixa-nos boquiabertos, mas fazer o quê? Isso é o q se chama "futuro"!!! Será?
Mas amei a matéria , como sempre super bem escrita.
Bjks
Acho que ainda mais sério que a venda de produtos personalizados com base num perfil genético, Claudia, é a venda de dietas personalizadas, ainda por cima, pela internet. A revista Scientific American de janeiro deste ano publicou um artigo muito interessante e que serve de alerta para aqueles que vivem testando regimes e acham que métodos baseados em mapas genéticos possam vir a trazer mais confiabilidade e sucesso. A pesquisadora Laura Hercher, do Programa Joan H. Marks de Genética Humana, do Sarah Lawrence College, conclui no artigo que a "nutrigenética" comercial já vendida por algumas empresas não oferece aos consumidores "informações mais completas que aquelas recomendaçõs corriqueiras sobre bons hábitos alimentares e exercícios físicos regulares". O próprio Tribunal de Contas dos EUA testou alguns destes testes, enviando perfis fictícios junto com DNA contraditórios entre si e os resultados foram grotescos. É preciso estar atento para não ser enganado. Infelizmente, empresas deste tipo só prestam para fazer com que se perca a confiabilidade em estudos sérios.
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